Luiz Guilherme Schymura, economista e presidente do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas, discute processo de desindustrialização no Brasil
Análise,Economia,Gestão&Empreendedorismo,Iniciativa,Investimento | Por em 14 de setembro de 2010
Procuramos reproduzir aqui a entrevista cedida ao Brasil Econômico, ao podcast da gestora de recursos Rio Bravo Investimentos, de Luiz Guilherme Schymura por sua relevância ao setor industrial.
O economista comenta o impacto da crise financeira na indústria mundial, além da concorrência que os produtos manufaturados do Brasil enfrentarão com a China durante os próximos anos na América Latina.
Confira os pontos principais desta entrevista:
A última carta do IBRE (que é publicada na Revista Conjuntura Econômica) debate se existe ou não um processo de desindustrialização da economia brasileira. Em primeiro lugar, desindustrialização é sempre vista como uma coisa ruim. Existe alguma circunstância em que ela pode ser um sinal de saúde econômica?
O processo de desindustrialização que aconteceu no Brasil até o ano de 2008 está em linha com o que vem acontecendo no mundo todo.
O setor de serviços cresceu muito por aqui, especialmente na medida em que o país começou a ficar mais rico. A tendência agora é que a população consuma menos bens e passe a consumir mais serviços. E isso tudo gera a desindustrialização.
A dificuldade que a gente tem hoje com relação ao Brasil de 2009 é tentar entender esse processo e averiguar se haverá ou não aceleração da desindustrialização, maior até que o resto do mundo.
Nós temos hoje um player importante a nível global: a China, que é um grande produtor de produtos manufaturados.
Nossas exportações deste tipo de produtos sofreram um baque com a crise – até porque o comércio mundial deu uma parada durante o final de 2008 e início de 2009 -, mas, na retomada, as nossas manufaturas não avançaram conforme o esperado ao nível anterior a crise.
Se nós fizermos uma análise mais detalhada da indústria brasileira, observaremos que o setor de manufaturas ainda está aquém do que se esperaria dele nesse momento de recuperação. Muito disso se deve à China, que está entrando nesse mercado.
Uma curiosidade é que nós exportávamos muitas manufaturas para os nossos parceiros da América Latina, e há fortes indícios de que o gigante asiático já começou a competir com o Brasil na região.
Hoje a gente pensa no PIB como agricultura, indústria e serviços. Essa divisão por categorias ainda é válida num mundo com uma economia tão diferente do que era, por exemplo, há 30 ou 40 anos atrás?
Esta é uma questão que temos que repensar no Brasil. Quando falamos em primarização da pauta de produção, de exportação, de produtos exportáveis e indústria, a impressão que fica é que o setor de agricultura é uma área muito pouca intensiva em capital. É uma área que possui mais mão-de-obra.
Nossa agricultura não tem inovações tecnológicas. Já a agricultura moderna, o agribusiness, é totalmente industrializado.
Um grande exemplo disso é que vemos atualmente apenas uma máquina e um ser humano controlando quase que a produção inteira de hectares e hectares de soja.
Nesse novo contexto, precisamos repensar um pouco o que significa a indústria que nós entendíamos antigamente.
Devemos compreender agora qual é a importância dessa indústria do passado, o que significa esse agronegócio e o que vai significar o setor de serviços neste novo cenário.
Enfim, eu acho que é uma discussão bastante interessante, bastante rica que nós vamos engajar brevemente.
Mas o que poderia ser colocado no lugar, por exemplo, dessas três categorias com as quais a gente lida até hoje?
Eu acho que ficaríamos mais com a discussão dos setores tradables (com produtos comercializáveis que, de modo geral, têm uma dinâmica independente, pois se complementam com o mercado externo, tanto na importação como na exportação) e não-tradables (produtos que, em face de suas características, têm pouca ou nenhuma viabilidade no comércio internacional. São denominados não-comercializáveis).
Perderemos um pouco o sentido dessa caracterização conforme mais tradable for a economia como um todo, incluindo o setor de serviços – o que pode acontecer num momento não muito distante.
Tradable e não-tradable, no fundo, é importante para que nós possamos entender a taxa de câmbio que, por sua vez, é a relação de preços dos produtos comercializáveis e dos não-comercializáveis.
Assim sendo, acredito que é esta separação que começará a fazer sentido, e que já faz sentido hoje em dia.
Vocês fizeram uma análise estatística de vários países para mostrar o que aconteceu no mundo entre 1970 e 2007. O resultado foi que diversas nações se desindustrializaram no sentido em que o setor de serviços cresceu, ou seja, houve uma diluição da participação da indústria nisso. A observação de 2008 pra cá é bem mais recente, mas os sinais empíricos que existem aí são de que o industrial brasileiro deva ficar preocupado?
Eu já começo a sentir um pouco isso e o setor de manufatura também. Não podemos esquecer o processo de crescimento da China de 10% ao ano – onde em três anos o Produto Interno Bruto (PIB) praticamente aumenta 50%.
Se nós imaginarmos a China de três anos atrás, o país era 2/3 do que é atualmente. Então, o impacto da China em 2007, em termos de comércio, era significativamente menor do que o atual. Na margem, já podemos dizer que a China afeta fortemente o mercado de manufaturas.
Os chineses importam minério de ferro e soja, mas eles são superavitários na balança comercial. O superávit deles vem muito das manufaturas, e vai vir também da produção e exportação de automóveis.
A China está ainda muito forte na parte de siderurgia, além de entrar também no fornecimento de equipamentos de telecomunicações.
Enfim, os chineses estão invadindo vários segmentos e, naturalmente, vão tomar um mercado que era cativo do Brasil aqui na América Latina.
Nós temos um estudo que desenvolvemos internamente. Uma professora fez um levantamento sobre quanto nós perdemos de mercado para a China entre 2005 e 2008. Ela calculou algo na faixa de US$ 5 bilhões.
Nós deixamos de exportar porque nossos produtos foram substituídos por manufaturas chinesas, e a tendência é que isso se intensifique, inclusive porque o PIB da China vem crescendo na faixa de 10% ao ano, seus produtos são competitivos e eles querem estar presentes no mercado latino-americano.
No tema de poupança, o governo Lula nos últimos anos abraçou a política industrial com uma intensidade crescente. O BNDES dobrou de tamanho, adquiriu participação em várias empresas e financiou uma série de aquisições. Existe um debate sobre se esse modelo de capitalismo de estado, que alguns chamam até de modelo chinês, é eficiente para a economia brasileira. O que você vê de oportunidades e problemas com esse modelo?
Eu não tenho uma preocupação tão grande com relação ao desequilíbrio das contas públicas. Acredito que isso é uma agenda já conquistada.
O processo hiperinflacionário já foi debelado. A inflação está sob controle. É bom sempre manter a atenção sobre as variações de preços, mas não devemos concentrar todo nosso pensamento nisso. Em relação ao equilíbrio fiscal que ocorre desde 1998, também considero uma conquista do governo.
Já sobre a questão do BNDES, embora tenham sido concedidos recursos significativos – algo na faixa de R$ 180 bilhões, isso é algo que não nos preocupa.
Se imaginarmos que essa conta não será paga, estaremos falando de uma dívida bruta da União que não chega atualmente a 70% do PIB.
O que nos preocupa um pouco é que os empréstimos do BNDES não têm a transparência que nós encontramos nos gastos públicos.
No processo de abertura da democracia, desenvolvemos um fato muito positivo: temos uma transparência nas contas públicas que é fantástica. O Brasil é um dos países mais transparentes em termos de contabilidade do setor público.
Então, gostaríamos que o BNDES deixasse de uma forma mais explícita as razões de um empréstimo ter sido concedido. Falta uma clareza melhor de que tipo de política de incentivo é aquela que está sendo implementada.
As vezes empréstimos são dados e não há uma explicação sobre o propósito do financiamento. Isso é importante para que possamos fazer um debate rico sobre diversas contas e despesas do governo.
Fonte: /www.brasileconomico.com.br